terça-feira, 17 de agosto de 2021

                                      Mulher Arrojada

Era nossa vizinha de sítio. Seu marido era primo do meu pai. Um primo bem mais velho, sobrinho da vó Luíza Ribeiro Palma. Eles eram um casal uns trinta anos mais velhos que meus pais). Ela era de uma família pioneira que chegou a Fartura junto com os Ribeiro Palma e Ribeiro Garcia, no final do século XIX, vindos de Santa Rita do Passa Quatro e compraram terras aqui.
Na verdade somos descendentes de portugueses que vieram para o Brasil e foram morar em Minas Gerais e depois uma parte das famílias vieram para São Paulo (São Simão, Santa Rita do Passa-Quatro e alguns para desbravar as terras de Fartura).
Ela tinha muitos irmãos, todos bem educados e um deles era farmacêutico em Fartura. E ela, apesar de viver longe do irmão, pois casou-se e ficou sempre morando no bairro Barra Seca, tinha também o dom de receitar remédios. Remédios caseiros. E era muito sociável.
Era amiga de todos do bairro e tia de muitos. Gostava de cuidar dos doentes e das mulheres grávidas. E dava muitos bons conselhos. Mas não era parteira, só auxiliava no pré-natal.
Quando minha mãe estava para dar à luz ao João Antônio, ela veio visitar, para ver se estava na hora de chamar a parteira. E anoiteceu. Eram umas dez horas e ela quis ir embora. Então pediu para meu pai um tição que estava aceso no fogão e pediu também para deixar eu ir junto com ela, de companhia. Fui com ela e dormi lá, mas a noite estava escura e fiquei com muito medo.
Também teve o dia que ela foi lá em casa fazer remédio para o braço quebrado do Gerson. Ela pegou ovos com a casca, açúcar e socou no pilão. Depois tirou, acrescentou leite de cabra quente, coou e deram para o Gerson beber…E faz sentido, porque na casca de ovos tem cálcio que é bom para os nossos ossos.
Tinha um outro “remédio” usado no bairro, mas não foi ela que ensinou. Eram caracóis (lesmas de caramujo). Tinha muitos nas roças de milho, se pareciam com escargots , e eram grandes. Eu costumava brincar com os caramujos depois que a lesma ia embora ou morria, não sei. Eram muito bonitos. Então, quando eles estavam vivos, a pessoa que tivesse acne era para pegar um, passar aquela baba no rosto e depois soltar. Achavam que era simpatia, mas pelo jeito era remédio. Meu pai disse que usou pois tinha muita acne. Deve ter sido bom porque não ficou cicatriz! Recentemente uma pessoa da família que já conhecia essa estória foi passear na Itália. Não é que achou na loja de cosméticos um feito à base de baba de lesma? O nome era “ crema viso ala lumaca” que significa: creme para rosto feito de caracol.
Hoje, lembrando de nossa querida vizinha que viveu muitos anos, penso que ela foi muito corajosa. Naquela época as mulheres tinham que ficar restritas ao lar, ou tinham que sair sempre acompanhadas pelo marido ou filhos. E ela foi arrojada. Saia, ajudava, ensinava a quem quisesse aprender. Como dizem: não veio ao mundo a passeio. Fez diferença.
E mesmo na velhice, vinha nos visitar, sempre com um porretinho, caso tivesse que se defender de algum cachorro.

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