Carteira Agrícola (ou PINTO, PINTO, PINTO)
Mário, meu pai, quando recebeu o sítio em herança, precisava urgente de dinheiro. O café que vô João tinha plantado há anos, não estava mais produzindo, e a terra estava ácida e consequentemente, cheia de sapé. Precisava de adubos e correção do solo.
Isso foi lá por 1965. O inventário (partilha entre os irmãos )demorou uns 5 anos para sair. Quando ele soube onde era a parte que caberia resolveu renovar o cafezal. Coincidiu que o governo voltou a acreditar na cafeicultura e financiar a plantação, o custeio, os armazéns, o terreiro para quem tivesse terra e quisesse plantar, e ainda tinha a garantia do preço mínimo!
O Banco do Brasil era o financiador e a agência mais perto era em Piraju. E era tudo difícil pois tinha de vir de charrete até Fartura, pegar o ônibus cedinho e voltar de tarde. Nessa época eu tinha meus 12 anos e morava com minha madrinha Lázara, em Piraju. Vim para estudar e também ajudá-la nas tarefas domésticas.
E meu pai, de vez em quando, ia a Fartura fazer compras e mandava pelo cobrador de ônibus da Pássaro Azul um bilhete assinado autorizando o Banco a me entregar o extrato de sua conta (o cobrador do ônibus era vizinho da minha madrinha).
Eu estudava de manhã e chegando da escola ia lá no Banco pedir o saldo/extrato da conta.
O Banco funcionava à Rua Carlos de Campos, onde hoje é a Nunes Calçados. No térreo era o atendimento normal, tinha um caixa, o pessoal do empréstimo e abertura de contas, etc. No andar de cima era a carteira agrícola e tinha um caixa também.
Vivia sempre apinhado de gente. Muitos homens da roça e eu ali, apertada no meio deles , esperando minha vez.
E então o caixa chamou: - próximo!
O próximo era um homem moço, aparentava ter uns 30 anos. Chegou perto e o caixa perguntou: Seu nome, por favor!
E o homem: Valdir de Souza ãnnn (o sobrenome final era um resmungo).
E o caixa: Não entendi. Fala mais alto!
E o cliente gritou: Valdir de Souza PINTO, PINTO, PINTO.
Foi uma situação muito embaraçosa. Os presentes se entreolharam, riram. Foi muito embaraçoso, tanto para aquele homem quanto para mim, que tinha vergonha de tudo e ficava vermelha de vergonha... Continuei indo lá por muitos meses, até ser liberado todas as parcelas do financiamento. Pegava o extrato, e o cobrador deixava lá na rodoviária para meu pai buscar.
Agora está tudo tão diferente, ninguém tem vergonha de nada. Não sei se isso é bom ou ruim...
Obs.: Valdir de Souza é um nome fictício. Só me lembro do PINTO, PINTO, PINTO e da vergonha do dono do sobrenome.
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