segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

 Retirado da autobiografia de Vitor Deocleciano Ribeiro

Minha aventura em Fartura

Em 1890 resolvi permutar a parte que eu tinha na fazenda “Jamaica” herança de meu pai, por partes de terras que meu irmão Quincas tinha na chácara e na fazenda “Santa Rita” em Fartura em sociedade que ele tinha com o José Deocleciano, nosso mano, parte que ele havia recebido de Carlos, em pagamento do que este lhe devia. Firmando o negócio verbalmente, acordou-se que a escritura seria outorgada oportunamente e diretamente pelo Carlos, com quem ele ainda tinha contas a acertar. Pelo que havíamos combinado, eu daria minha parte pelas dele, sem outro ônus para qualquer de nós.

Nessa pressuposição, poucos dias depois, parti para Fartura a tomar conta daquilo que julgava ser meu.

Não posso deixar de aludir aqui a circunstância que, ao relembra-la, trás me lagrimas aos olhos e tristeza no coração! De quando me transportei a Fartura? – contrariando minha boa e santa Mãe! Pois ela mais uma vez me falou que não fosse, e eu não quis ouvi-la. Por que a contrariei assim? Como me arrependo hoje.     

Chegando a Fartura em meados de 1890, moço com intrepidez e disposição para o trabalho , meti mãos a obra. De entrada, propus ao socio- meu mano Zeca – dispensarmos o fiscal da lavoura e o feitor da turma , passando eu a exercer as funções deste e ele a de fiscal.

E, com assiduidade e esmero , procurava desempenhar o meu cargo . Assim esperançado e relativamente satisfeito, via transcorrer os primeiros dias de sociedade, quando comecei a notar que, á medida que circulava a noticia do afastamento do nosso mano Carlos da fazenda e da minha entrada como socio desta, iam aparecendo os credores da firma , que se julgava extinta , procurando receber o que lhes era devido.

Embora fugindo  ao objetivo que dita estas notas , que é tratar apenas do meu “ego” , julgo interessar aqui um explicação.

A fazenda Santa Rita foi adquirida em 1890 por Quincas e Carlos, quase que em mata bruta , tendo este empatado nesse negocio todo o pequeno capital que possuía. Pelo que combinaram, a cargo de Quincas ficaria o fornecimento de numerário necessário á abertura , montagem, e custeio da propriedade , e a cargo de Carlos a administração. É bom que se saiba também que, por essa época , a Sorocabana só chegava a Botucatu, indo mais tarde para Avaré e desta para Cerqueira Cesar , sendo este o ponto mais perto de embarque durante a vigência esta sociedade.

O Carlos , obedecendo aos impulsos do seu temperamento arrojado e impetuoso , abrindo clareiras em pleno coração da mata virgem, plantou , só de uma vez , cem mil cafeeiros; construiu casas e formou pastagens. Lutou durante anos com transporte distante , falta de braços e as geadas que, periodicamente , castigavam a lavoura.

Fez tudo que era preciso, e também o que não precisava, segundo alegava seu socio , Quincas , exemplificando: comprou mais uma fazenda , onde assentou uma maquina de beneficiar café , abriu casas de negócio em Fartura , no Retiro e na Fazenda, e comprou ate uma demanda na Fazenda Vergueiro , cuja propriedade tentou tomar de assalto, valendo-lhe a aventura um processo , do qual se livrou. O Quincas desempenhou também a parte que lhe tocava, fornecendo não só dinheiro para custeio , mas também braços para a lavoura , pois , de Santa Rita , remeteu-lhe  dezenas e dezenas de famílias de colonos.

Ao cabo de 8 anos de sociedade , por se achar em crise , exigiu-lhe uma prestação de contas , da qual resultou Carlos ficar devendo a Quincas 250:000$000, por uma letra de câmbio , cujo titulo nunca foi resgatado.

Decepcionado com o resultado a que havia chegado , o Quincas permutou a parte que lhe pertencia na aludida fazenda, com  que o Zeca “ José Deocleciano Ribeiro” , nosso mano possuía na Fazenda “Jamaica”, em Santa Rita , tornando se este , assim,    socio de Carlos. Essa sociedade durou pouco.

Desalentado com a crise que já vinha de longe e que parecia eternizar-se , Carlos propôs a Quincas a entrega da parte da fazenda que lhe pertencia , em pagamento do que lhe devia , assumindo também este a responsabilidade proporcional , numa divida hipotecaria que haviam contraído com João Procópio, Irmãos e Cia.

 Aceito o negocio, Carlos retirou-se da fazenda, sem ajustar as contas com o Zeca, assumindo este, assim, e tacitamente , todos os compromissos contraídos pela firma extinta , os quais orçavam em mais de uma centena de contos. Esta circunstancia , foi omitida ao Quincas , quando aceitou a proposta de Carlos, e consequentemente , a mim , na ocasião em que entabolei negócio com o primeiro , decorrendo  dessa omissão a surpresa que me causou , ao saber da existência de dividas , pelas quais, não me havia responsabilizado , e que, ater que pagar, modificaria completamente o negocio, como foi combinado e cuja efetivação dependia de escritura.

Ora, muito bem! Encerrando aqui o parêntesis que abrimos para esta explanação  interessante , retornemos ao começo da nossa meada.

Como atras foi dito, causaram-me    surpresa o aparecimento de dividas , cuja existência ignorava e pelas quais não devia responsabilizar-me  , ainda mais tratando-se   de um negocio dependendo de escritura.

Não obstante estas circunstâncias, mas deixando-me levar pela inexperiência da idade, pelas solicitações de meu mano José Deocleciano, de quem já me considerava socio ; por ignorar também a responsabilidade de um avalista de títulos , e, a despeito da relutância no começo, acabei avalisando as letras na importância de cêrca de cem contos de réis ... No pé em que estavam os negócios , tendo já transcorrido alguns meses , durante os quaes pude estudar bem a situação da firma , da qual deveria ser um dos socio sucessores , e chegando á conclusão de que se tratava de uma sociedade falida, tal era o vulto dos compromissos , a falta de recursos e, sobretudo , de credito , propus ao José Deocleciano ir a Santa Rita , tentar junto ao credor hipotecário , não só uma prorrogação do contrato como também mais um empréstimo , sob penhor dos frutos , pois , sem credito e sem dinheiro , seria materialmente impossível tratarmos a lavoura.

Devo dizer que, quando parti para essa missão, levava a deliberação de procurar o Quincas e desfazer o negocio , não voltando mais a Fartura , pois a transação , que se podia considerar infeliz , entre mim e aquele que apenas acabava de ser meu tutor , nem para  ele ficaria bem. Por essa ocasião , o Quincas , por dificuldades financeiras e por incompatibilidade com o credor hipotecário da fazenda Jamaica , já havia passado ao nosso cunhado Severino Meireles a gerencia dessa, com procuração geral da minha mãe , e transferira-se para a sua fazenda em Santa Rosa.

Evitando falar pessoalmente ao mano sobre as minhas intenções de desfazer o negocio , encarreguei o Severino de transmiti-las , assim como os motivos que mais ditaram , com cuja decisão ele concordou , ficando assim sem efeito o nosso compromisso que era apenas verbal.

Não posso esquecer me de que fiquei livre do negocio mas que meus endossos lá ficaram a me apoquentar , e por muitos anos! Uns prescreveram outros foram resgatados pelo José Deocleciano , cerca de 20 contos por mim. Foi esse preço da minha aventura em Fartura.

Muito embora ao deixar a fazenda fosse meu proposito não voltar- repito- com tudo isso , procurei desempenhar com desvelo a incumbência que  que trouxe de tentar obter de João Procópio o custeio da mesma.

Malograda a  tentativa ,  a despeito do esforço despendido ,foi com grande e sincero pesar que transmiti ao José Deocleciano, não só esta noticia , como também a minha resolução irrevogável , de não mais voltar. Lembro-me de que ele continuou lutando sozinho por mais um tempo ; vencido . afinal por obstáculos insuperáveis , acabou entregando ao credor hipotecário tudo quanto possuía e tudo foi mais tarde adjudicado Dona Mariana C. de Azevedo , por herança recebida de João Procópio.

Nesse tempo meu tio Manoel Ribeiro entra em contato comigo comunicando que estava voltando para Santa Rita e me oferecia sua fazenda por 50 contos de réis, comprei em parceria com meu mano Jonas e três dias depois pegava a escritura da fazenda, a qual era constituída de 500 alqueires de terras e culturas sessenta mil cafeeiros abandonados , casa de morada , e poucas benfeitorias mais.

Em memória de nossa boa mãe Ana dei a propriedade a denominação de “Fazenda Santana”, fazendeiro arregacei as mangas e pus -me a trabalhar. lutando com a falta de transporte , falta de braços e, principalmente , falta de preços para os produtos, consegui , mesmo assim, em 18 meses , restaurar 30 mil pés e construir as casas necessárias á  sua colonização. Escoava assim o ano de 1902 esperava que esse ano, com o produto da safra , cobrir todas as despesas e ainda sobrar nos alguma coisa.

Mas, “ o homem põe e Deus dispõe “-diz o ditado... e assim que chegou o dia fatídico , no dia 10 de novembro de 1902 , já nos seus alvores , viam-se do lado do nascente nuvens avermelhadas pressagiando tempestade à tarde.

Entretanto , o sol apareceu rutilante e até uma hora nada de extraordinário se notava no firmamento , a não ser o ar pesado , abafadiço. Porem, dessa hora em diante , começaram a formar-se nuvens , aqui e acolá, que se foram aos poucos adensando. Logo depois já constituíam verdadeiros rolos de fumo , que corriam de um lado para outro. 

O vento então já sussurrava alucinante , contorcendo os arvoredos. Os trovões  ribombavam ,a começo, ao longe, mas agora perto. Ate que afinal desabou a tempestade , com brutal violência, acompanhada de abundantes e grossos granizos! Foram de 15 a 20 minutos de ameaça e terror. Passado o furacão , por todo lado só se via a devastação, a ruina! As arvores foram despojadas de todas as folhas e dos frutos, da lavoura de café, nem as haste finas foram poupadas , só ficaram os trocos grossos ; na colônia ruíram algumas paredes e todos os telhados foram danificados fora outros prejuízos.

Imagine-se agora a minha desolação! Justamente no momento de colher o fruto de um labor ingente; de julgar coroados de bom êxito todos os meus trabalhos  e esforços , vejo, num abrir e fechar de olhos , tudo anulado , tudo perdido. foi tão grande minha desolação que vendi a fazenda para meu cunhado Severino Meireles e voltei para Santa Rita.                               

Com este desfecho e a entrega feita mais tarde de suas propriedades aos credores , pelo Manoel Custódio, tio Manoel Ribeiro e seu genro Totó ; a venda que o Severino fez da fazenda que lá possuía , e a permuta da fazenda do Mano Jonas com Augusto Meireles , epilogou a verdadeira odisseia representada pela minha família naquele ingrato e longínquo rincão , onde ela, no perpassar de anos e anos de labor ingente , viu exaurir as suas energias físicas e morais ; dissiparem-se as suas ultimas esperanças... Não se falando dos insucessos dos outros parentes: tio Luiz Ribeiro, tio José Inácio, tio Joaquim, tio Pedro, tia Floriana, e membros das famílias Garcia e Rocha, cujos descendentes por lá ainda mourejam pobremente , na sempre e eterna esperança de dias melhores!!

Pode-se dizer, com muita propriedade , que Fartura foi o Waterloo da Família Ribeiro!...

                                                                                  

 

 

 

            

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