Retirado da autobiografia de Vitor Deocleciano Ribeiro
Minha
aventura em Fartura
Em 1890 resolvi
permutar a parte que eu tinha na fazenda “Jamaica” herança de meu pai, por
partes de terras que meu irmão Quincas tinha na chácara e na fazenda “Santa
Rita” em Fartura em sociedade que ele tinha com o José Deocleciano, nosso mano,
parte que ele havia recebido de Carlos, em pagamento do que este lhe devia.
Firmando o negócio verbalmente, acordou-se que a escritura seria outorgada
oportunamente e diretamente pelo Carlos, com quem ele ainda tinha contas a
acertar. Pelo que havíamos combinado, eu daria minha parte pelas dele, sem
outro ônus para qualquer de nós.
Nessa
pressuposição, poucos dias depois, parti para Fartura a tomar conta daquilo que
julgava ser meu.
Não posso deixar de aludir aqui a circunstância que, ao relembra-la, trás me lagrimas aos olhos e tristeza no coração! De quando me transportei a Fartura? – contrariando minha boa e santa Mãe! Pois ela mais uma vez me falou que não fosse, e eu não quis ouvi-la. Por que a contrariei assim? Como me arrependo hoje.
Chegando a
Fartura em meados de 1890, moço com intrepidez e disposição para o trabalho ,
meti mãos a obra. De entrada, propus ao socio- meu mano Zeca – dispensarmos o
fiscal da lavoura e o feitor da turma , passando eu a exercer as funções deste
e ele a de fiscal.
E, com
assiduidade e esmero , procurava desempenhar o meu cargo . Assim esperançado e
relativamente satisfeito, via transcorrer os primeiros dias de sociedade,
quando comecei a notar que, á medida que circulava a noticia do afastamento do
nosso mano Carlos da fazenda e da minha entrada como socio desta, iam
aparecendo os credores da firma , que se julgava extinta , procurando receber o
que lhes era devido.
Embora
fugindo ao objetivo que dita estas notas
, que é tratar apenas do meu “ego” , julgo interessar aqui um explicação.
A fazenda
Santa Rita foi adquirida em 1890 por Quincas e Carlos, quase que em mata bruta
, tendo este empatado nesse negocio todo o pequeno capital que possuía. Pelo
que combinaram, a cargo de Quincas ficaria o fornecimento de numerário
necessário á abertura , montagem, e custeio da propriedade , e a cargo de
Carlos a administração. É bom que se saiba também que, por essa época , a
Sorocabana só chegava a Botucatu, indo mais tarde para Avaré e desta para
Cerqueira Cesar , sendo este o ponto mais perto de embarque durante a vigência
esta sociedade.
O Carlos ,
obedecendo aos impulsos do seu temperamento arrojado e impetuoso , abrindo
clareiras em pleno coração da mata virgem, plantou , só de uma vez , cem mil
cafeeiros; construiu casas e formou pastagens. Lutou durante anos com
transporte distante , falta de braços e as geadas que, periodicamente ,
castigavam a lavoura.
Fez tudo que
era preciso, e também o que não precisava, segundo alegava seu socio , Quincas
, exemplificando: comprou mais uma fazenda , onde assentou uma maquina de
beneficiar café , abriu casas de negócio em Fartura , no Retiro e na Fazenda, e
comprou ate uma demanda na Fazenda Vergueiro , cuja propriedade tentou tomar de
assalto, valendo-lhe a aventura um processo , do qual se livrou. O Quincas
desempenhou também a parte que lhe tocava, fornecendo não só dinheiro para
custeio , mas também braços para a lavoura , pois , de Santa Rita ,
remeteu-lhe dezenas e dezenas de
famílias de colonos.
Ao cabo de 8
anos de sociedade , por se achar em crise , exigiu-lhe uma prestação de contas
, da qual resultou Carlos ficar devendo a Quincas 250:000$000, por uma letra de
câmbio , cujo titulo nunca foi resgatado.
Decepcionado
com o resultado a que havia chegado , o Quincas permutou a parte que lhe pertencia
na aludida fazenda, com que o Zeca “
José Deocleciano Ribeiro” , nosso mano possuía na Fazenda “Jamaica”, em Santa
Rita , tornando se este , assim, socio
de Carlos. Essa sociedade durou pouco.
Desalentado
com a crise que já vinha de longe e que parecia eternizar-se , Carlos propôs a
Quincas a entrega da parte da fazenda que lhe pertencia , em pagamento do que
lhe devia , assumindo também este a responsabilidade proporcional , numa divida
hipotecaria que haviam contraído com João Procópio, Irmãos e Cia.
Ora, muito
bem! Encerrando aqui o parêntesis que abrimos para esta explanação interessante , retornemos ao começo da nossa
meada.
Como atras
foi dito, causaram-me surpresa o aparecimento de dividas , cuja
existência ignorava e pelas quais não devia responsabilizar-me , ainda mais tratando-se de um
negocio dependendo de escritura.
Não obstante
estas circunstâncias, mas deixando-me levar pela inexperiência da idade, pelas
solicitações de meu mano José Deocleciano, de quem já me considerava socio ;
por ignorar também a responsabilidade de um avalista de títulos , e, a despeito
da relutância no começo, acabei avalisando as letras na importância de cêrca de
cem contos de réis ... No pé em que estavam os negócios , tendo já transcorrido
alguns meses , durante os quaes pude estudar bem a situação da firma , da qual
deveria ser um dos socio sucessores , e chegando á conclusão de que se tratava
de uma sociedade falida, tal era o vulto dos compromissos , a falta de recursos
e, sobretudo , de credito , propus ao José Deocleciano ir a Santa Rita , tentar
junto ao credor hipotecário , não só uma prorrogação do contrato como também
mais um empréstimo , sob penhor dos frutos , pois , sem credito e sem dinheiro
, seria materialmente impossível tratarmos a lavoura.
Devo dizer
que, quando parti para essa missão, levava a deliberação de procurar o Quincas
e desfazer o negocio , não voltando mais a Fartura , pois a transação , que se
podia considerar infeliz , entre mim e aquele que apenas acabava de ser meu
tutor , nem para ele ficaria bem. Por
essa ocasião , o Quincas , por dificuldades financeiras e por incompatibilidade
com o credor hipotecário da fazenda Jamaica , já havia passado ao nosso cunhado
Severino Meireles a gerencia dessa, com procuração geral da minha mãe , e
transferira-se para a sua fazenda em Santa Rosa.
Evitando
falar pessoalmente ao mano sobre as minhas intenções de desfazer o negocio ,
encarreguei o Severino de transmiti-las , assim como os motivos que mais
ditaram , com cuja decisão ele concordou , ficando assim sem efeito o nosso
compromisso que era apenas verbal.
Não posso
esquecer me de que fiquei livre do negocio mas que meus endossos lá ficaram a
me apoquentar , e por muitos anos! Uns prescreveram outros foram resgatados
pelo José Deocleciano , cerca de 20 contos por mim. Foi esse preço da minha
aventura em Fartura.
Muito embora
ao deixar a fazenda fosse meu proposito não voltar- repito- com tudo isso ,
procurei desempenhar com desvelo a incumbência que que trouxe de tentar obter de João Procópio o
custeio da mesma.
Malograda
a tentativa , a despeito do esforço despendido ,foi com
grande e sincero pesar que transmiti ao José Deocleciano, não só esta noticia ,
como também a minha resolução irrevogável , de não mais voltar. Lembro-me de
que ele continuou lutando sozinho por mais um tempo ; vencido . afinal por
obstáculos insuperáveis , acabou entregando ao credor hipotecário tudo quanto
possuía e tudo foi mais tarde adjudicado Dona Mariana C. de Azevedo , por
herança recebida de João Procópio.
Nesse tempo
meu tio Manoel Ribeiro entra em contato comigo comunicando que estava voltando
para Santa Rita e me oferecia sua fazenda por 50 contos de réis, comprei em
parceria com meu mano Jonas e três dias depois pegava a escritura da fazenda, a
qual era constituída de 500 alqueires de terras e culturas sessenta mil
cafeeiros abandonados , casa de morada , e poucas benfeitorias mais.
Em memória
de nossa boa mãe Ana dei a propriedade a denominação de “Fazenda Santana”,
fazendeiro arregacei as mangas e pus -me a trabalhar. lutando com a falta de
transporte , falta de braços e, principalmente , falta de preços para os
produtos, consegui , mesmo assim, em 18 meses , restaurar 30 mil pés e
construir as casas necessárias á sua
colonização. Escoava assim o ano de 1902 esperava que esse ano, com o produto
da safra , cobrir todas as despesas e ainda sobrar nos alguma coisa.
Mas, “ o
homem põe e Deus dispõe “-diz o ditado... e assim que chegou o dia fatídico ,
no dia 10 de novembro de 1902 , já nos seus alvores , viam-se do lado do
nascente nuvens avermelhadas pressagiando tempestade à tarde.
Entretanto , o sol apareceu rutilante e até uma hora nada de extraordinário se notava no firmamento , a não ser o ar pesado , abafadiço. Porem, dessa hora em diante , começaram a formar-se nuvens , aqui e acolá, que se foram aos poucos adensando. Logo depois já constituíam verdadeiros rolos de fumo , que corriam de um lado para outro.
O vento
então já sussurrava alucinante , contorcendo os arvoredos. Os trovões ribombavam ,a começo, ao longe, mas agora
perto. Ate que afinal desabou a tempestade , com brutal violência, acompanhada
de abundantes e grossos granizos! Foram de 15 a 20 minutos de ameaça e terror.
Passado o furacão , por todo lado só se via a devastação, a ruina! As arvores
foram despojadas de todas as folhas e dos frutos, da lavoura de café, nem as
haste finas foram poupadas , só ficaram os trocos grossos ; na colônia ruíram
algumas paredes e todos os telhados foram danificados fora outros prejuízos.
Imagine-se
agora a minha desolação! Justamente no momento de colher o fruto de um labor
ingente; de julgar coroados de bom êxito todos os meus trabalhos e esforços , vejo, num abrir e fechar de
olhos , tudo anulado , tudo perdido. foi tão grande minha desolação que vendi a
fazenda para meu cunhado Severino Meireles e voltei para Santa Rita.
Com este
desfecho e a entrega feita mais tarde de suas propriedades aos credores , pelo
Manoel Custódio, tio Manoel Ribeiro e seu genro Totó ; a venda que o Severino
fez da fazenda que lá possuía , e a permuta da fazenda do Mano Jonas com
Augusto Meireles , epilogou a verdadeira odisseia representada pela minha
família naquele ingrato e longínquo rincão , onde ela, no perpassar de anos e
anos de labor ingente , viu exaurir as suas energias físicas e morais ;
dissiparem-se as suas ultimas esperanças... Não se falando dos insucessos dos
outros parentes: tio Luiz Ribeiro, tio José Inácio, tio Joaquim, tio Pedro, tia
Floriana, e membros das famílias Garcia e Rocha, cujos descendentes por lá
ainda mourejam pobremente , na sempre e eterna esperança de dias melhores!!
Pode-se
dizer, com muita propriedade , que Fartura foi o Waterloo da Família
Ribeiro!...
Nenhum comentário:
Postar um comentário