terça-feira, 17 de agosto de 2021

 Diversidade na Barra Seca

Novidade no bairro: chegou um novo morador trazendo uma família grande, com vários moleques. Agora sim, ia dar para formar times de futebol.
E ainda vinha do Paraná, trazendo uma bola de cristal e era praticante de “mesa branca”. Mãe, o que é mesa branca? Ah, mesa branca não é mesa preta. Como assim? Mesa branca é quem trabalha com os espíritos bons. É da religião espírita, cobre a mesa com toalha branca e coloca um copo com água em cima. E mesa preta é quem mexe com espíritos do mal.
Ah bom! Se fosse mesa preta eu ia ficar com muito medo. Não precisa ter medo. É só levantar de manhã e fazer o sinal da cruz. Fecha o corpo contra todo mal. Ainda bem, mãe!
Na verdade foi muito bom ter esses novos vizinhos. Gente diferente de nós, com outros costumes, outra cultura. Eles trabalhavam duro na lavoura. À tarde, depois do banho e da janta, a criançada se reunia na fazenda, jogar futebol no campinho.
E os adultos ficavam conversando. Quanta novidade. E “Seu” Antônio era muito respeitado. Todo mundo queria fazer consultas com ele. Ia gente do bairro e gente de longe. E ele receitava garrafadas. Coisas simples como ervas e condimentos com as quais ele temperava o vinho branco. A gente levava os ingredientes, ele preparava, era para deixar curtir sete dias e tomar uma dose antes das refeições. Tudo natural...noz moscada, canela, alecrim, arruda, cravo e outras ervas, que eram usadas dependendo da reclamação da pessoa. E a gente achava tudo mágico.
E ainda ele consultava a bola de cristal e a gente podia olhar. Mas a gente nunca viu nada nela.
Às quintas-feiras tinham as reuniões da mesa branca. Vinham as pessoas preparadas para isso, da cidade e região. E nós, moradores do bairro ficávamos em volta da mesa, em silêncio, só assistindo.
Era tudo muito curioso. Não acontecia nada de mais. Algumas pessoas mudavam a voz, davam conselhos, rezavam. Mas um dia um homem incorporou um espírito bravo. E estava revoltado. E Seu Antônio pegou uma tesoura para dar um choque nele. Quando um espírito estava rebelde, era só encostar algo de metal na pessoa para ela levar um choque (sem eletricidade). Era usado uma tesoura.
Nossa, quando foram encostar a tesoura no homem ele, que fazia parte da mesa e estava sentado, deu um salto para trás com cadeira e tudo e fez um barulhão. Nossa, a criançada saiu correndo. E foi o assunto da semana. Até hoje não entendemos como tudo aconteceu, como o homem não caiu da cadeira.
Esses vizinhos ficaram trabalhando na fazenda por uns cinco anos. As crianças cresceram, a família se mudou e não tivemos mais contato. Foi um tempo bom.



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