Apêndice do livro Sete Orelhas:o português Manoel Francisco da Silva
No transcurso do século
XVIII muitas famílias surgiram em meio à colonização das nascentes do rio
Grande, na Capitania de Minas Gerais. Com o tempo, descendentes dessas famílias
acabaram por colonizar o extenso o vale do rio Grande, pelo interior das capitanias
de São Paulo e Minas Gerais. A colonização das nascentes do rio Grande foi
levada a efeito por colonos de origem flamenga que chegaram ao Brasil no começo
do século XVIII oriundos da ilha do Faial, no Arquipélago dos Açores. Dentre as
várias famílias que se formaram em meio a esses colonos, a família Da Silva
teve sua história marcada pela grande incidência na região do antigo Turvo,
hoje Andrelândia, uma povoação que se formou como porto de passagem no
Caminho Velho.
Esta família surgiu em
1769 a partir do português Manoel Francisco da Silva, nascido em São João de
Brito, Termo de Guimarães, arcebispado de Braga, norte de Portugal. Em meio a
essa colonização das nascentes do rio Grande, ainda no ano de 1724 casaram-se
na vila de São João Del Rei o açoriano da ilha do Faial Diogo Garcia, nascido
em 1690, com a também açoriana da ilha do Faial de nome Julia Maria da
Caridade. Em seu livro 'As Três Ilhoas', o genealogista José Guimarães
encontrou vasta descendência da ilhoa Julia Maria da Caridade; encontrou uma
considerável descendência de sua irmã Antônia da Graça e encontrou pouca
descendência da terceira irmã, a ilhoa Helena Maria de Jesus. As evidências
indicam que antes do casamento de Diogo Garcia e Julia Maria da Caridade, já se
encontrava na colonização das nascentes do Rio Grande um irmão de Diogo Garcia
chamado João Garcia Luis. Nascido na ilha do Faial em 1679, João Garcia Luis
partiu para o Brasil Colônia acompanhado de sua esposa, Maria Leal, e filhos. O
colono João Garcia Luis faleceu em 1736, em Guaratinguetá, povoação que se
formara no Caminho Velho, no vale do rio Paraíba. O colono João Garcia Luis
deixou vasta descendência nas nascentes do rio Grande. Esses descendentes de
João Garcia Luis e Maria Leal formaram várias famílias, entre as quais a
família Garcia Leal. Dois primos de Diogo Garcia e João Garcia Luis, também
nascidos na ilha do Faial, constam em registros nas nascentes do rio Grande, em
Minas Gerais, no século XVIII. O primeiro colono foi Antonio Garcia, nascido na
ilha do Faial em 1692, que se casou, em segundas núpcias, em Prados, no Caminho
Novo do Paraíba, em 1744. Antônio Garcia faleceu em 1768, na povoação de
Santana do Garambéu, um porto de passagem do rio Grande no Caminho Velho do Rio
a Minas, tendo deixado descendentes que formaram várias famílias, dentre as
quais a família De Souza. O irmão de Antonio Garcia de nome João Garcia Duarte,
nascido na ilha do Faial em 1700, também fixou residência nas nascentes do rio
Grande, tendo deixado registros nas cercanias da povoação da Encruzi lhada,
hoje cidade de Cruzília, no Caminho Novo do Paraíba
Um filho deste colono de
nome José Garcia Duarte se casou em 1760 com Anna Maria Duarte, a Anna do
Angahi, filha de Catarina de São José, e neta da ilhoa Antonia da Graça. A
filha deste casal de nome Teresa Maria de Jesus foi esposa de Thomas Joaquim de
Arantes, um dos filhos do português Antonio de Arantes Marques, o patriarca da
família Arantes. Já o filho homônimo do colono João Garcia Duarte teve uma
filha, de nome Antonia Maria de Jesus, que se casou em 1790 com José Francisco
Junqueira, um dos filhos de João Francisco
Junqueira. Casado em 1758
com Helena Maria do Espírito Santo, uma neta da ilhoa Antônia da Graça, o
português João Francisco Junqueira é considerado o patriarca da família
Junqueira. Além destes quatro primos Garcia nascidos na ilha do Faial no final
do século XVII, outro colono Garcia também nascido nessa época nessa mesma ilha
deixou registros familiares na região das nascentes do rio Grande. Embora não
se tenha informações de seu grau de parentesco com os demais colonos Garcia,
sabe-se que o colono José Garcia da Costa nasceu na ilha do Faial no ano de
1706. No ano de 1739, o colono José Garcia da Costa estava na povoação de
Prados, nas nascentes do rio Grande, onde se casou com Bernarda Maria de
Almeida. Este casal teve onze filhos, sendo o último batizado em 1761 na
povoação do Turvo, no Caminho Velho
Os registros sugerem que
por essa época José Garcia da Costa já estava fixado com a família na região da
povoação do Turvo. De fato, em 1759, dois anos antes do nascimento de seu
último filho na povoação do Turvo, casou-se nessa povoação a filha de José
Garcia da Costa de nome Antonia Maria de Almeida, nascida em Prados, com João
Antonio de Andrade, nascido na ilha do Faial. João Antônio de Andrade era filho
de Isabel da Luz, irmã dos colonos Antonio Garcia e João Garcia Duarte. No ano
de 1764, a filha de José Garcia da Costa de nome Maria Conceição de Almeida
casou-se na povoação do Turvo com o português Brás Rodrigues de Lima, natural
da povoação de São Tiago de Sopo, Arcebispado de Braga, norte de Portugal.
Porém, foi somente no ano de 1769 que surgiu entre os colonos de origem
flamenga que habitavam as nascentes do rio Grande a história do colono Manoel
Francisco da Silva. Então, nesta mesma povoação do Turvo, no Caminho Velho, o
colono açoriano José Garcia da Costa casou sua filha Anna Maria de Almeida com
o português Manoel Francisco da Silva. Viúvo de seu primeiro casamento, Manoel
Francisco da Silva levou para o segundo casamento os nove filhos que já
possuía. De seu casamento com Anna Maria de Almeida, Manoel Francisco da Silva
teve ainda mais oito filhos, o último de nome Ignacio Francisco da Silva,
nascido no ano de 1788. O português Manoel Francisco da Silva é o patriarca da
grande família Da Silva formada entre os colonos de origem flamenga das
nascentes do rio Grande. Após este casamento, o colono José Garcia da Costa
casou ainda dois de seus filhos, um homem e uma mulher, com dois filhos do
primeiro casamento de Manoel Francisco da Silva. Foi assim que seis anos após
seu casamento, no ano de 1775, novamente na povoação do Turvo, no
Caminho Velho, Anna Maria
da Silva, a terceira filha do primeiro casamento de Manoel Francisco da Silva
se casou com o filho do colono José Garcia da Costa de nome Thomas Garcia da
Costa. Ainda neste mesmo ano de 1775, na Ermida do Senhor Bom Jesus de
Matosinhos, situada na povoação do Bom Jardim, localizada no Caminho Velho do
Rio a Minas, distante cerca de 26 quilômetros da povoação do Turvo, a filha de
José Garcia da Costa de nome Quitéria Joaquina de Almeida se casou com Antonio
Francisco da Silva, o segundo filho do primeiro casamento de Manoel Francisco
da Silva. A descendência desse casal passou a se servir do nome da Silva
Landim, diferenciando-se
assim da descendência de seu pai, o patriarca Manoel Francisco da Silva. No ano
1788, Manoel Joaquim da Silva, o quarto filho do primeiro casamento de Manoel
Francisco da Silva, casou-se na povoação do Turvo com uma neta do colono José Garcia
da Costa, filha de Maria da Conceição de Almeida, de nome Ignácia Rubina do
Espírito Santo. Em 1795, outro neto do colono José Garcia da Costa, filho de
Maria da Conceição de Almeida, de nome José Rodrigues de Almeida, casou-se na
povoação do Turvo com Anna Ribeira Salgado, filha do português Bento Ribeiro
Salgado. Em de 1801, outra neta de José Garcia da Costa, de nome Francisca
Joaquina de Almeida, a segunda filha do segundo casamento de Manoel Francisco
da Silva, casou-se na povoação do Turvo, em segundas núpcias, com Francisco
Ribeiro Salgado, filho de Bento Ribeiro Salgado, o patriarca da família
Salgado. Os diversos casamentos de filhos do colono Manoel Francisco da Silva
com filhos do colono José Garcia da Costa fizeram com que surgisse uma vasta
descendência com nome Da Silva na micro região que compreende a Andrelândia, o
antigo Turvo, Bom Jardim de Minas, antigo Bom Jardim do Turvo, e Liberdade, o
antigo Livramento. Assim, num perímetro de 70 quilômetros que vai da cidade de
Andrelândia, a Bom Jardim, separadas por 26 quilômetros, e de Bom Jardim a
Liberdade, separadas por 15 quilômetros e por fim de Liberdade a Andrelândia,
separadas por 30 quilômetros, formou-se uma grande descendência do português
Manoel Francisco da Silva, o patriarca da família Da Silva. Passados 250 anos,
a descendência Da Silva entre os colonos de origem flamenga é a maior
descendência existente nas nascentes do rio Grande. A marcante presença do nome
de família Da Silva nas nascentes do rio Grande e sua consequente presença na
colonização do interior das capitanias de Minas Gerais e de São Paulo entre os
séculos XVIII e XIX, vem esclarecer porque do nome de família Da Silva ganhou
papel de destaque nas perseguições perpetradas através do personagem "Sete
Orelhas". Com efeito, o personagem "Sete Orelhas" começou a ter
sua estória divulgada a partir de 1836, quando foi inserida no livro 'The
History of Brazil', de John Armitage. A versão contada neste livro diz que foi
devido à morte de um parente, esfolado vivo por sete moradores de Itú, que um
morador de Sorocaba teria promovido a morte dos sete assassinos, fazendo um
colar com sete orelhas dos mortos. Por conta dessas sete mortes o assassino de
Sorocaba teria sido cognominado 'Sete Orelhas'. Em 1843, na sequencia das publicações,
o nome de família Garcia, o nome de família que constituía o elo que unia
aquele variado grupo de famílias descendente de colonos de origem flamenga,
passou a ser objeto do caso das sete orelhas. Foi naquele de 1843 que surgiu o
romance 'Januário Garcia ou As Sete Orelhas', de Joaquim Norberto de Sousa
Silva, a obra que deu ao cruel assassino "Sete Orelhas" o nome de
Januário Garcia. Foi esta obra que trouxe para as perseguições o elo que unia
as famílias de origem flamenga das nascentes do rio Grande, o nome de família
Garcia. Mas, foi somente dois anos depois, em 1845, que os agentes trouxeram
para as perseguições o nome de família Da Silva, o nome que formou a maior
família de descendente dos colonos de origem flamenga nas nascentes do rio
Grande. Naquele ano, o estudante da faculdade de Direito de São Paulo de nome
Martim Francisco Ribeiro de Andrada, um sobrinho/neto do político José
Bonifácio de Andrada e Silva, tornou pública a peça de teatro "Januário
Garcia, o 'Sete Orelhas'". Nesta obra, os sete assassinos mortos por
"Januário Garcia, o 'Sete Orelhas'" teriam sido os sete irmãos Silva,
os quais teriam matado o parente de "Sete Orelhas" com requintes de
crueldade. Segundo essa versão, os sete irmãos Silva teriam atado nu a uma
figueira o parente do personagem 'Sete Orelhas', onde o teriam esfolado vivo.
Foi devido a esta peça de teatro que o caso das sete orelhas, com os nomes de
família Garcia e Da Silva, teria ganho notoriedade. A primeira encenação desta
peça de teatro foi em 1846. A encenação ocorreu no teatro da Casa da Ópera, em
São Paulo, quando da primeira visita do Imperador D Pedro II à cidade. O
estrondoso sucesso alcançado pela encenação da peça fez com que no ano de 1849
inúmeras copias da peça fossem impressas. Assim, a versão para o caso das sete
orelhas, com a divulgação dos nomes Garcia e Da Silva, passou a ser encenada em
muitos lugares pelo interior de São Paulo e Minas Gerais. Foi desta forma que o
caso das sete orelhas superou o obstáculo que representava a questão do analfabetismo
que então existia no país, o que vinha restringindo a divulgação da estória das
sete orelhas. Como se observa, a escolha do nome de família Da Silva atribuído
aos sete assassinos do parente de "Sete Orelhas" teria origem na
importância desta família entre as famílias descendentes dos colonos de origem
flamenga das nascentes do rio Grande. Foi ao trabalharem para atingir esta
família, atribuindo a sete de seus supostos membros um assassinato cruel, que
os agentes das perseguições acabaram deixando pistas de que esta teria sido a
mais importante das famílias formadas nas nascentes do rio Grande, e isto seja
pelo grande número de descendentes ou pela grande extensão de terras da região
em que se fixaram, o entorno da serra do Turvo, nas nascentes do rio Grande,
que compreende o perímetro entre as cidades de Andrelândia, Bom Jardim de Minas
e Liberdade. Assim, no transcurso desses mais de 170 anos de perseguições o
nome de família Da Silva, esta gigantesca família sofreu os efeitos das
perseguições de maneira variada. Um efeitos mais significativos das persegui ções ao nome de família Da Silva é o
que ocorreu com Francisco José da Silva, que se casou na segunda metade do
século XIX com Thereza Cândida de Almeida. A esposa de Francisco José da Silva
era filha de João Antônio Gonçalves de Almeida e de Anna Vitória de São José.
Por sua vez, Anna Vitória era filha de Thereza Maria de Jesus, e neta de Ana
Maria do Nascimento, filha do casal Diogo Garcia e Júlia Maria da Caridade. O
esposo de Anna Vitória de São José, a sogra de Francisco José da Silva, foi
Pedro Custódio Guimarães, o patriarca da família Guimarães. No ano de 1865,
quando do nascimento de Alfredo Augusto, filho do casal Francisco José da Silva
e Thereza Cândida de Almeida, o mesmo não foi batizado com o nome de família Da
Silva. Naquele ano em que se completavam vinte a anos da publicação da peça de
teatro 'Januário Garcia, o Sete Orelhas', Francisco José da Silva abandonou o
nome de família Da Silva e adotou o nome de família do avô de sua esposa. Foi
então que o filho do casal Thereza Cândida de Almeida e Francisco José da Silva
foi batizado com o nome de Alfredo Augusto Guimarães.
Essa foi a reação mais
evidente às perseguições ao nome de família Da Silva e ocorreu ainda no início
das perseguições, em 1865. Além dessa reação muitas outras ocorreram durante
esses 173 anos transcorridos desde 1845, o ano em que o nome de família Da
Silva foi incluído nas perseguições. Dentre essas reações, a mais comum foi
mesmo o abandono do nome de família. Mas, embora tenham transcorridos tantos
anos de perseguições e abandono, ainda hoje o nome de família Da Silva
permanece como o nome mais comum nessa micro região das nascentes do rio
Grande, a região que compreende o entorno da serra do Turvo
D'Alessandro, Luciano BRG,
O Sete Orelhas ou a história das perseguições aos
descendentes dos colonos de origem flamenga no Brasil,
Editora Mormannese Eireli, Andrelândia, MG, 2012; - Sítio de
internet Projeto compartilhar (http://www.projetocompartilhar.org/) - Coordenação
Bartyra Sette e Regina de Moraes Junqueira
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